A obra do jornalista e escritor JJ Leandro, de Araguaína, foi censurada por pais de alunos da rede pública estadual de educação. A censura prévia aconteceu em Araguaína, polo econômico, cultural e educacional do norte do Tocantins.
O livro “ A morte no bordado” é um romance que conta histórias de uma pequena cidade no interior do País. Com um linguajar fácil e divertido, JJ Leandro prende a atenção do leitor, com destaque para um relação extraconjugal de um homem casado como uma prostituta. Um grupo de pais teria se escandalizado com passagens do texto, qualificando a obra como imprópria para leitura de seus filhos.
A reação à censura veio em cadeia. Pelas redes sociais, JJ Leandro recebeu apoio de diversos internautas e de entidades, entre elas, de professores da Universidade Federal do Norte do Tocantins-UFTN. “ Os ingênuos filhos criados na mais pura santidade também não ouvem TV, jamais assistiriam a um programa do estilo Big Brother Brasil e em suas casas deve ser proibido ouvir as indecentes canções do sertanejo. Nunca ouviram um funk. A literatura é, assim, a grande ameaça de corrupção”, diz parte da nota dos professores da UFNT.
NOTA DO AUTOR
Como autor do livro A Morte no Bordado recebi com espanto, é essa a palavra mais adequada que vejo, a censura que meu livro recebeu por parte de pais de alunos para utilização em estudo nas salas de aula de escola pública de seus filhos em Araguaína.
Espanto porque o romance, publicado em 2009, fruto de premiação da Fundação Cultural do Tocantins, desde então tem sido estudado nos colégios das redes pública e privada e universidades no estado, sem qualquer tipo de desabono.
Do espanto volto à realidade e nela busco as razões para a censura que ameaça não apenas minha obra mas toda produção cultural na cidade. A situação política vivida pelo país nos últimos anos deu vez e voz a pensamentos totalitários cujo interesse maior é silenciar os que não seguem seu figurino excludente pautado em ideias atrasadas. Isso contaminou de tal modo a sociedade que livros exaustivamente usados no currículo escolar de repente se veem sob os freios de censores. Aqui todo meu repúdio a quem deseja censurar a leitura nas escolas, a cultura e o ensino não precisam de censores; há no meio docente profissionais competentes e autorizados que fazem o regramento das leituras, seguindo exclusivamente a qualidade das obras e a série pertinente para trabalhar com elas.
Meu agradecimento a todos que já se manifestaram condenando essa excrescência, sobretudo aos que também enfrentam diariamente a ameaça censora, os resistentes professores.
Minha tranquilidade reside em que a obra permanecerá e a censura passa.
JJ Leandro.
NOTA DOS PROFESSORES DA UFNT
Prezado(a)s diretore(a)s,
Chegou a nós, durante um dos dias de Carnaval, o conhecimento de uma espécie de movimento inquisitorial a propósito da indicação de leitura de um romance produzido pelo escritor tocantinense JJ Leandro, A morte no bordado. Segundo o que nos foi relatado por mais de uma “testemunha”, um grupo de pais escandalizava-se com passagens do texto, qualificandoo como impróprio para leitura de seus filhos em formação. Além disso, recaía sobre os docentes que sugeriram sua leitura acusações, diante de uma ira de quem julga a produção literária por critérios de suposta moral. Inconformados com o teor do texto, mobilizaram-se raivosos com imprecações em grupo de WhatsApp, constrangendo e intimidando professores, desqualificando-os em sua competência para selecionar o que é ou não objeto de ensino, mediante critérios que passam longe da qualidade da escrita literária. A julgar pelo clamor, os acusadores são dotados de grande saber linguístico e literário e podem impor seus critérios de julgamento, deixando de lado a formação e qualificação dos docentes.
Fica claro que, ao condenarem o romance do maior escritor de Araguaína, condenariam, por consequência, uma vasta relação de textos considerados clássicos da literatura brasileira, como um obrigatório O cortiço, de Aluísio Azevedo, toda a produção do maior dramaturgo brasileiro, Nelson Rodrigues, vetariam O amor natural, de Carlos Drummond de Andrade, para citar alguns que nos vêm imediatamente à memória e deixando de lado a produção estrangeira. Os filhos deveriam tão somente ser apresentados a temas que passassem por seu crivo da censura, ignorados os critérios literários que envolvem a formação de leitores literários.
No caso, a razão do estardalhaço não é de natureza estética, mas a menção de ato libidinoso de um personagem, homem casado em relação extraconjugal com uma prostituta, algo inimaginável para um romance que traz elementos da história de uma cidade no norte do Brasil. Por estas paragens de terra prometida, certamente, nada disso jamais ocorreria, sem registros de adultério nas famílias de norte a sul do estado. Os ingênuos filhos criados na mais pura santidade também não ouvem TV, jamais assistiriam a um programa do estilo Big Brother Brasil e em suas casas deve ser proibido ouvir as indecentes canções do sertanejo. Nunca ouviram um funk. A literatura é, assim, a grande ameaça de corrupção.
O acontecimento, infelizmente, tem histórico, como o da queima de livros condenados pela “Santa” Inquisição, que queimou também na mesma fogueira muitos escritores, além do que fizeram nazistas na II Guerra Mundial. Todas as ditaduras, aliás, se assemelham, sejam elas guiadas por pensamentos cristãos, muçulmanos ou materialistas.
Nascido em 1960 em Carolina, cidade situada ao sul do Maranhão, JJ Leandro, pseudônimo de José Leandro Bezerra Júnior, vive há algumas décadas em Araguaína, norte do Tocantins. Dentre suas publicações, destacam-se Memórias de Petelico (crônicas, 2011), Quase ave (poesia, 2002) e o romance que serviu de contenda no contexto escolar, A morte no bordado (romance, 2009). A qualidade de sua produção é atestada pelos prêmios recebidos por instituições ligadas à literatura no estado e, até o momento, nada parecido com esse ataque de censura teria passado pela mente de qualquer leitor ou estudioso da área, como no caso dos docentes mestres ou mestrandos em Letras com que a escola tem a honra de contar em função da qualidade de sua formação e compromisso profissional.
Solidarizamo-nos com os colegas da docência, infelizmente fragilizados pela condição de contratados em regime temporário, porque, a despeito da obrigatoriedade da legislação, não há concursos para o corpo efetivo há 14 anos no Tocantins. Por amizade e respeito, também nos movemos em defesa do poeta, contista e romancista JJ Leandro, que até o momento não advinha a balbúrdia fascista em torno de sua produção. Lamentamos pelos alunos, que já sofrem com uma reforma do ensino médio de natureza neoliberal que lhes destina tão pouco para a formação crítica e estética. Em tempos de fascismo, a arte é a primeira que sofre, porque a arte, se é verdadeira, é sempre lugar de subversão e liberdade.
Diante desse triste acontecimento, esperamos que tanto a unidade escolar quanto a DRE respeitem a liberdade de cátedra em apoio a seus educadores.
Dra. Luiza Helena O. da Silva & Dr. Márcio Araújo de Melo